A mulher sempre cumpriu papel protagonista na História. O protagonismo, no entanto, nem sempre veio revestido de liberdade ou justiça. Sob o manto da submissão e do machismo, as mulheres, ao longo dos séculos, foram refazendo a concepção estabelecida para elas social, cultural e economicamente. Da vida doméstica até ao perfil múltiplo da mulher contemporânea, muitas lutas, derrotas e conquistas permearam a narrativa feminina.
O século XXI retrata uma nova realidade. Hoje legitimadas na sociedade, as mulheres celebram vitórias e lidam com novas exigências. O preço pela igualdade entre gêneros foi oneroso. Muito sangue foi derramado. Aliás, muito sangue ainda é derramado pela impunidade e por um machismo que conseguiu atravessar gerações. Para ilustrar o quadro, um dado alarmante. Um estudo feito em 84 países pela Organização das Nações Unidas revelou que o Brasil é o sétimo país que registra casos de violência contra a mulher.
O prejuízo humano continua crescendo. Quase 4,5 mil mulheres foram mortas em 2010 - mais do que o triplo do total registrado em 1980. Nesses 33 anos, ocorreram mais de 90 mil assassinatos de mulheres. Entre as principais causas apontadas desse mapa de violência estão a impunidade, o machismo e o alcoolismo. Os números demonstram que em meio às conquistas, há muito ainda pelo que lutar. O direito a vida é um deles.
A jornalista e coordenadora de comunicação institucional da AD2M Engenharia de Comunicação, Rafaela Brito, destaca que o machismo no Nordeste ainda é muito latente, inflamando a relação entre os gêneros. “Creio que não conseguimos ainda avançar de forma satisfatória. Eu mesma não estou satisfeita e fico muito triste quando vejo uma mulher sendo tratada com grosseria por homens, só por ser mais ‘frágeis’, isso é nítido. Mulheres ainda são mortas, apanham e são mal tratadas por conta desse machismo, que muitas vezes é até velado. Leis estão sendo criadas. O assunto tem sido mais discutido e torço para que esse quadro mude em breve, para que haja um equilíbrio natural entre homens e mulheres em todos os quesitos”, comenta.
Mercado de trabalho
Cuidar da casa, dos filhos, do marido. Lavar, passar, cozinhar. Durante muito tempo, o papel feminino restringia-se ao doméstico. O mundo mudou. A sociedade mudou. Mas, a mulher, mesmo no mercado de trabalho, ainda continua lavando, passando e cozinhando, direta ou indiretamente. A sua função não foi trocada de lugar, mas desdobrada em mais expedientes. É a conhecida jornada tripla. Não é fácil, mas para grande parte delas, é recompensadora.
A professora Conceição de Maria Freitas Fortes conhece muito bem a rotina extenuante da tripla jornada. Ela trabalha em escolas diferentes, enfrenta três expedientes, é casada e mãe de três filhos. “A minha vida sempre foi muito cansativa, mas gratificante. Tanto em relação à tripla jornada de trabalho, quanto em relação aos filhos. Como professora estou contribuindo para a educação de várias crianças e quanto aos meus filhos, não me arrependo de nada. Nunca deixei de acompanhar meus filhos por conta dos meus três trabalhos, sempre soube dosar essa questão. Apesar do pouco tempo, sempre estive próximo, orientando, participando de todos os momentos de prazer e na hora de dar carão, eu dava. Nunca me senti culpada pela falta de tempo”, afirma.
Tempo, aliás, é um fator que sempre acompanha a narrativa feminina...para o bem e para o mal. A presidente do Sindicato dos Engenheiros do Ceará (Senge-CE), Thereza Neumann, formada em Engenharia Elétrica, reflete sobre o efeito do tempo ou falta dele no resultado da produção feminina. “Não tenho filhos, mas familiares (mãe e tias idosas) que necessitam de toda atenção, carinho e dedicação. Não é fácil, pois nada pode ser usado como justificativa para o atraso ou redução da capacidade produtiva. No mercado, os profissionais precisam se equiparar, mesmo que em casa tenham situações completamente diferentes. Na realidade, as mulheres, em sua maioria, vivem assoberbadas de responsabilidades. Se prevalecesse a lógica e justiça, se houvesse uma compensação, se o mundo fosse menos capitalista, as mulheres teriam expedientes reduzidos e remunerações idênticas aos homens. Tenho certeza, que o tempo não seria o entrave para o resultado da produção feminina”, argumenta Thereza.
Salários
Outro ponto divergente entre os gêneros com relação ao mercado profissional é o salário. De acordo com levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o salário das mulheres no Brasil é 28% menor do que dos homens. Em 2011, elas receberam em média R$ 1.343,81 enquanto eles ganharam R$ 1.857,63.
Segundo uma pesquisa desenvolvida na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), aponta que parte das diferenças salariais entre homens e mulheres no Brasil ainda se deve à discriminação por sexo. Baseando-se na técnica de Oaxaca-Blinder, que considera variáveis como idade, escolaridade e posição na família, os estudos concluem que com curso superior e condições similares a do homem, a mulher continua ganhando menos.
O pesquisador Fábio Tatei afirma que a discriminação gera ineficiência econômica. Conforme o argumento, excelentes profissionais podem ser excluídas de cargos importantes por preconceito. Nestes casos, as consequências se refletem em resultados financeiros menores do que poderiam ser apresentados com a contratação ou investimento em determinada profissional. (Com informações do site da USP).
Preconceito
A diferença de salários entre homens e mulheres pode ser entendida como discriminação. Mas, e o preconceito menos velado? Mulheres ainda enfrentam entraves no mercado de trabalho? A engenheira Thereza Neumann relata que não enfrentou preconceito, mesmo atuando em um segmento com predominância masculina, chegando, inclusive a ser reeleita, recentemente, presidente do sindicato da categoria. “Não me lembro de preconceito por conta de gênero, até porque sempre me disponho a realizar tudo que me proponho, podendo ir além, vislumbrando os resultados e o público a ser beneficiado. E para isto acontecer, nunca estou sozinha, existem sempre homens e mulheres envolvidos nas realizações. Durante minha vida profissional surgiram grandes empecilhos, de diversas naturezas, até do tipo assédio moral, se caracterizando como um dos desafios a serem vencidos, não como mulher, mas no próprio exercício de minhas atividades funcionais”, afirma.
Para Rafaela Brito, a palavra preconceito é forte e, talvez por isso, muitas vezes ele é negado. “Esse tipo de preconceito existe, até porque é um conceito formado apenas pela aparência. Já me confundiram, por exemplo, com estagiária, sendo já coordenadora, por conta do meu tamanho – sim, sou baixinha – e tenho aquela carinha de menina, apesar de já ter passado dos 30. Então, com o tempo, fui percebendo que, quanto mais tivesse postura e segurança diante de um cliente, do público, menos essas percepções serão pautadas somente no fato de eu ser mulher, baixinha e com cara de menina”, reflete.
Conquistas
As maiores conquistas, destaca Thereza Neumann, estão na liberdade de pensar, estudar, trabalhar, poder expressar sentimentos e ter direito a escolher como viver. Ser livre de muitos preconceitos e ser respeitada como pessoa produtiva e capaz. “Acredito que um dos pontos fundamentais que nós mulheres deveríamos abraçar como conquista, seria a luta pela redução da violência generalizada que estamos vivenciando e a extinção da violência contra o gênero – Mulher”, afirma a engenheira.
O direito ao voto, ao trabalho e a revolução sexual estão entre as conquistas citadas pela jornalista Rafaela Brito. No entanto, ela ressalta ainda o poder feminino que alterou comportamentos e estratégias de marketing. “Há alguns dias vi um post num site de marketing com algumas propagandas antigas, com mulheres sendo tratadas como donas de casa mesmo, propaganda de sapato masculino, por exemplo, com as mulheres aos “pés” dos homens. Vindo mais pra perto, até a poucos anos, víamos também propagandas de cerveja colocando as mulheres como os objetos de desejo, os homens bebendo a dita cuja e a mulherada ali, rebolando com shorts ou saias curtíssimas, sem beber cerveja, pois era bebida de ‘homem’. Isso também mudou. Hoje a mulher se coloca mais a ponto de alterar estratégias de marketing, até porque se não mudarem perdem uma fatia considerável de mercado”, conclui.
fonte:http://www.vermelho.org.br/noticia/207847-61
Nenhum comentário:
Postar um comentário